terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

GD CUF e FC Barreirense: marcas históricas de um Barreiro outrora pujante

Movido pela implantação de uma indústria forte e pujante, o Barreiro foi outrora um dos locais com maior dínamo económico em Portugal. A Companhia União Fabril, fundada por uma figura histórica do mundo empresarial português, Alfredo da Silva, em plena reta inicial do séc. XX, marcou um progresso a nível fabril num Portugal pouco progressista, muito ainda rudimentar e economicamente pouco exuberante.

Alfredo da Silva e a «sua» CUF trouxeram, por isso, um novo conceito de trabalho, mais urbano, citadino, mundano. Por força disso, o êxodo rural entrou no léxico da (nova) sociedade portuguesa e ao Barreiro chegou, em busca de uma nova ilusão e estilo de vida, gente de todas as latitudes - desde Trás-os-Montes ao Alentejo, foram, então, entrando num Barreiro que foi crescendo ao ritmo de uma CUF que tinha um peso no PIB à altura da sua importância.

Com tudo isso, também o desporto, e mais concretamente o futebol, foi visto como um escape à dura vida fabril e, nesse contexto, dois gigantes despontaram ao ritmo do crescimento trazido pelo progresso: o Futebol Clube Barreirense e o Grupo Desportivo da CUF. O vermelho, do Barreirense, e o verde, da CUF, separavam, então, dois emblemas fortes e primodivisionários no contexto nacional. Dois rivais, mas, mais do que isso, máximos representantes de um lugar de referência no contexto económico português em meados do século XX.

O Futebol Clube Barreirense, com 24 presenças no principal escalão do futebol nacional, é o 15.º que mais vezes esteve entre os maiores. Um clube com mística, invulgar viveiro de talentos, que deu a conhecer ao mundo jogadores de topo do futebol português, como Chalana, Bento, José Augusto, Carlos Manuel (que se iniciou na CUF), Neno, entre muitos outros. Uma presença na Taça das Cidades com Feiras (que depois originaria a Taça UEFA e, mais recentemente, a Liga Europa), por força de uma fabulosa 4.ª posição obtida em 1969/70, constituiu a cereja no topo do bolo de um clube que foi caindo à medida da economia que outrora o catapultou, ainda que de forma mais indireta do que o seu rival.

A sua última presença na 1.ª Divisão data da longínqua temporada 1978/79, mas da fama de produção de talentos nunca o clube se livrou. A tal ponto que, nos anos 80, o Sport Lisboa e Benfica tinha um grupo de jogadores tão extenso daí proveniente que até ficou celebrizado como «O Grupo do Barreiro». Mesmo vendo os seus melhores jogadores saírem a um ritmo alucinante, quase que não usufruindo dos seus talentos e potencialidades, o Barreirense sempre se foi reformulando, até entrar num declínio do qual parece teimosamente não sair.

Já sem o seu mítico estádio D. Manuel de Mello, demolido há pouco mais de uma década, não mais o Barreirense voltou a ser o mesmo. Com ele, foi um pouco da mística e da força que emanava campo adentro, mas o poder da memória perdurará e jamais o FC Barreirense perderá o estatuto de histórico do futebol português.

A GD CUF, por seu turno, era, de maneira óbvia, a força motriz da Companhia Fabril que lhe dava o nome. Um clube-fábrica que de forma muito direta cresceu e caiu ao ritmo da CUF, que, após as convulsões revolucionárias de 1974, nunca mais conseguiu ser a mesma. As profundas mutações na sociedade portuguesa reduziram a CUF a algo sem expressão e, desta, também pouco mais restam que as memórias e os lendários tempos no panorama futebolístico nacional.

A história da CUF andou a par com a do Barreirense de tal modo que 23 são as presenças que o antigo clube-fábrica tem no principal campeonato português, apenas menos uma do que o seu rival. Do ponto de vista competitivo, porém, a GD CUF atingiu patamares mais relevantes do que o Barreirense, comprovados por um sensacional 3.º lugar em 1964/65 e dois quartos lugares (1961/62 e 1971/72).

Mais brilhante ainda do que esse pódio alcançado em meados dos anos 60, a posterior participação europeia nas Taças das Cidades com Feiras, acontecimento que até hoje se perpetua. Na tarde de 1 de dezembro de 1965, a CUF recebera o todo-poderoso AC Milan, onde militavam, entre outros, Cesare Maldini e Trapattoni. Os trabalhadores fabris, os seus adeptos, no fundo, tiveram dispensa nesse dia e o Estádio Alfredo da Silva foi pequeno para tamanho momento. Figura de corpo presente foi algo que, de todo, não sucedeu, com os fabris a despacharem o gigante italiano com dois golos sem resposta, facto inédito na medida em que, em solo luso, a GD CUF é a única a ter conseguido, até hoje, derrubar o gigante italiano. Fernando Oliveira e Francisco Abalroado abalroaram, literalmente, um Milan que, nesse dia, foi engolido pela maquinaria pesada de um clube-fábrica no auge da sua existência.

A eliminação a ferros em San Siro não beliscou um momento épico e sublime de uma tipologia de clube que, hoje, já não existe. Outros tempos, culturas e contextos de um futebol à época ainda nos meandros do profissionalismo.

Atualmente Grupo Desportivo Fabril (e antes Quimigal), nem o nome original escapou à ditadura dos tempos, mas, tal como o FC Barreirense, a CUF marcou, indelevelmente, uma época muito específica que canonizou o Barreiro e deu a conhecer a sua força, associada também a uma forma identitária que o futebol, com a sua capacidade de projeção e engrandecimento, deu sobejamente a conhecer a toda a... Europa!

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